Mais "pudor", por favor!
Na passada Sexta-feira, uma colega chegou à nossa sala comum durante o tempo de almoço. Vinha de uma consulta médica em que lhe foi dada mais baixa devido a uma fratura.
O seu estado de espírito meio "choramingão": aborrecida mais com as circunstâncias, o facto de não puder fazer o que gostaria e das dores do que de tudo o resto.
Conversa puxa conversa, enquanto "deitava cá para fora" toda a sua mágoa e frustração sairam-lhe da boca para fora várias queixas sobre o marido e os filhos.
Quem não sabe o que é estar mal na sua pele e dividir casa com essas pessoinhas que nos podem levar de um extremo ao outro em menos de nada que atire a primeira pedra! Sobretudo quando o cansaço, o stress e a excitação do outro lado estão também em nível elevado.
No entanto o que se seguiu não deixou de a surpreender: uma enxurrada de críticas ao marido que, "como todos os homens" é um incapaz e as crianças umas ingratas como aliás são todas também.
Nenhuma das pessoas que falou parou um segundo que fosse para pensar em como o estado emocional dela podiam estar a fazê-la ver as coisas de um ângulo bem mais negativo e penoso do que o que realmente se passa lá em casa. E que não é assim que se ajuda ninguém.
Ainda há uns meses atrás uma outra colega, mãe de dois adolescentes e cujo marido trabalha bastante (o que se diga de passagem permitiu à família comprar uma casa num dos bairros mais cobiçados da cidade) me dizia que começava a ficar farta dos comentários mais ou menos azedos de certas colegas sobre os horários de trabalho do marido e à incompreensão total de que, apesar de nem sempre ser "agradável" era esse o funcionamento deles enquanto casal e a forma como decidiram lutar pelos seus objetivos familiares: ele com o trabalho (e consequentemente o dinheiro que faz entrar em casa) e ela com a escolha que fez em ter um emprego com horários mais clássicos mas podendo estar mais disponível para os filhos, sobretudo na gestão do dia a dia.
O problema é que se tanto se sabe sobre a vida comum e as dificuldades que um e outro enfrentam é porque ela fala nisso também, e mais do que devia claramente...
Estas duas histórias têm um ponto em comum: o facto de as pessoas se confessarem à primeira orelha sem colocarem em causa a intenção e a disponibilidade de quem escuta.
Se, por vezes, precisamos de desabafar com alguém, o que é humano, temos a obrigação para connosco próprios e para com os visados de escolher com quem o fazemos. Alguém da nossa extrema confiança e cujo bom senso e lealdade nos suportem, nos encoragem e nos permitam ver as coisas por um "outro ângulo".
E é nestas ocasiões que uma certa reserva são benéficos, já que nos protegem de comentários que, baseados numa boa intenção ou não, nos podem ferir ainda mais e ainda nos arriscamos a tornar a nossa intimidade familiar o próximo tema de conversa "da máquina de café".
Escusado será dizer que podem haver situações mais extremas e que precisamos mesmo de falar nelas mas, mesmo aí, o conselho de alguém de confiança continua a ser mais útil do que a "logorreia" de três ou quatro pessoas "bem pensantes" que estão mais preocupadas em ouvir-se a si próprias do que em ouvir e apoiar quem realmente precisa!
E depois desta Sexta Feira só me apraz levar as mãos aos céus e dizer: Mais "pudor", por favor!
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