Ouvimos dizer por tudo quanto é sítio que é preciso ir atrás dos nossos sonhos custe o que custe e que desistir é impossível.
Parece que esta frase se tornou o mantra de muita gente. Pessoalmente apercebi-me que é sobretudo a desculpa perfeita para não colocarmos os nossos objetivos em causa aceitando o desconforto que isso nos causa.
Acreditei de tal forma, e durante tanto tempo nesta filosofia, que me custou horrores colocá-la em causa e portanto, a uma certa altura, não tive escolha e percebi a importância de aceitar as coisas como elas são, com os limites que todos nós temos e o simples facto de que nem tudo depende apenas de nós e de que não vivemos sozinhos nesta vida.
Mas demorei que me fartei a perceber isso e as desilusões e alguma vitimização fizeram parte do processo.
Defendo a perseverança com todas as minhas forças mas também percebi que há uma linha muito ténue que a separa da teimosia pura e dura. E que a mudança de caminho pode trazer-nos experiências maravilhosas... apenas temos de nos permitir abrir mão do que tanto queremos (ou achamos que queremos) e fazê-lo em paz consigo próprio.
Porque às vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois à frente e isso não é nem melhor nem pior do que lutar até ao fim pelo que se quer. Para mim em todo o caso permitiu-me "sair do mesmo sítio" e não esperar eternamente a oportunidade que há-de chegar, chorando pelos cantos sem conseguir sair do mesmo sítio.
E por ai de que lado da barricada se colocam: Lutar até cair ou dar um passo atrás e dois à frente de bem com a vida e em paz com a escolha?
A maternidade consegue colocar do avesso a vida de qualquer pessoa. E se de um lado há um cansaço que se acumula e que é difícil de gerir, especialmente ao início, por outro lado traz momentos muito intensos e aprendizagens gigantes. Comparo a minha ainda recente condição de mãe a ser submersa por uma onda gigante que parece nunca ter fim.
Não posso deixar de confirmar que o meu filho é a melhor coisa que tenho no Mundo. Os seus sorrisos, gargalhadas, conquistas e deslumbramentos têm em mim um efeito tónico especial e completamente inédito. Mas a maternidade, para além de me ter transformado em "Mãe" também mexeu intensamente na minha feminilidade.
Sem pensar muito direi que me tornei mais forte mas ao mesmo tempo mais protetora em relação a quem amo. Passei também a tentar ser mais corajosa e justa com o que se passa à minha volta.
Aprendi a aceitar o meu corpo, mesmo com as suas imperfeições. Afinal ele conseguiu dar vida e isso já é mais do que motivo para sentir gratidão. (re)Aprendi e (re)descobri o prazer de escolher o que vestir, como me maquilho, como me cuido... afinal a imagem que quero ter é também a imagem que lhe quero transmitir a ele.
Ser mãe ensinou-me a relativizar, a aceitar as muitas tonalidades de cinza que existem. A procurar beleza em tudo, mesmo tendo consciência de que nem sempre o Mundo seja tão belo como gostaria. E daí nasce uma crença, como uma força destrutiva que me faz acreditar que é o amor e a beleza que podem trazer reais mudanças no Mundo.
Ser mãe desenvolveu-me a paciência e capacidade de compreensão. E mostrou-me que, mesmo quando não sou nem tão paciente nem tão compreensiva como gostaria, sou tão digna de perdão como qualquer outra pessoa.
Ser mãe ajudou-me a redescobrir-me e a assumir aquilo que quero e gosto, custe o que custar. A aceitar o que não pode ser mudado para já e a fazer-me mais confiança do que nunca.
Ser mãe não transformou a minha vida em azul, nem em rosa. Fez dela um arco-íris de mil cores em que todas elas fazem partes juntas.
E se não é preciso ser mãe para mudar, no meu caso foi uma enorme transformação).
O Outono chegou para ficar, o pequeno já está a adaptar-se à creche e eu não tarda regresso ao trabalho. Foram dias que passaram a uma velocidade assustadora, acho que nem dei por eles.
Estou a fazer os possíveis por aproveitar estes últimos dias de família a tempo inteiro. Deixei de lado os mantras, as páginas de instagram de parentalidade positiva e de super mães e decidi-me a fazer as coisas com serenidade e ao feeling, sem pressões nem culpabilizações e sobretudo sem grandes margens de comparações.
Os dias passam e estou a aproveitar cada segundo para me lembrar de que nada será como dantes mas que, apesar das dificuldades, os dias ganharam uma nova cor.
Agora vai ser preciso levar essa cor para o dia a dia, sem perder o norte. E se não for perfeito, não faz mal... a vida é eterna aprendizagem e uma família que se preze perdoa e aprende com os erros dos outros.
E agora que os dias passam, as horas correm... eu aproveito cada segundo
Aproveitamos que estávamos os dois em casa para ir tratar do cartão do cidadão do herdeiro ao consulado. Sendo que não vamos a Portugal há praticamente um ano não queremos colocar em causa a possibilidade de ir pelo Natal e decidimos ir tratar do assunto, especialmente porque o cartão do cidadão deve ser feito nos primeiros vinte dias de vida de uma criança.
Infelizmente o herdeiro anda numa fase em que acha que o mundo é muito divertido e que dormir é uma autêntica perda de tempo pelo que as sestas, tão necessárias nesta ideia, são esquecidas e depois temos de lidar com do "tenho sono mas não quero dormir".
Durante o tempo de espera (muito atrasado, mesmo com hora marcada) e com os estímulos que vinham de todos os lados, a certa altura o pequeno desatou num pranto e ficou impossível de consolar muito por causa do sono acumulado.
Enquanto a funcionária que nos atendeu foi um poço de amabilidade e com uma paciência infinita, compreendendo que aquilo não estava a ser fácil de gerir, fez o melhor que pode para simplificar as coisas, a colega do guichet do lado, depois de soprar umas quantas vezes e praguejar mais algumas, perguntou-me descaradamente se não tinha ao menos água para dar ao miúdo.
Foi a primeira vez que alguém me fez claramente um julgamento pela forma como lido com o meu filho e fiquei nem sei bem como (entretanto, e sem me conseguir conter, respondi-lhe sem medir a educação das minhas palavras).
Se se ficasse só pelos suspiros ainda passava mas interpelar a mãe, neste caso eu, sobre o que deve ou não fazer é um limite que nunca acreditei que alguém conseguisse passar, especialmente quando o atraso foi deles e eu estava a fazer todos os possíveis para o acalmar e despachar as coisas o mais depressa possível...
Considero que existem duas razões para as pessoas fazerem julgamentos de valor sobre este assunto, sendo que uma delas é a falta de conhecimento e a outra puro azedume.
Para o segundo não há solução e para o primeiro o meu filho, em menos de três meses, já me ensinou o antídoto: muita paciência e meter todas as opiniões sobre a educação dos outros num sítio que nós cá sabemos...
Se estivessemos todos mais dispostos a colaborar e menos a julgar os outros, seja porque razão for, o Mundo seria um local bem mais agradável e encontraríamos bem mais soluções para os seus problemas. Porque a única coisa que aquela senhora conseguiu foi enervar-me mais ainda a mim e em consequência irritar ainda mais o meu filho fazendo-o chorar ainda mais. Ou seja ninguém ganhou nada com o negócio...
E por aí, qual foi o julgamento mais ridículo que vos fizeram ou que vocês fizeram enquanto não tinham filhos?
Todos nós criamos as nossas próprias expectativas. Se esta tendência já é bastante humana, a coisa é levada ao extremo muito por causa das redes sociais e das fotos e sorrisos que nos chegam através destes meios.
Podemos ser um bocadinho mais ponderados ou mais sujeitos à "manipulação" inocente dos cinco minutos brilhantes dos outros mas todos caímos nesta ilusão da vida de sonho.
A maternidade e paternidade são, provavelmente, dos assuntos que mais nos incitam à criação de expectativas.
Esperamos que, tal como os bebés das revistas ou das fotos dos nossos queridos amigos (esquecemo-nos que a foto demora um minuto a tirar e o dia tem vinte e quatro horas), o nosso bebé seja uma espécie de boneco acordando apenas para comer, dormir e brincar e estará sempre vestido maravilhosamente, qual modelo de catálogo. E nós mães e pais, sobretudo os de primeira viagem, achamos que o que os outros nos dizem é exagero e acreditamos que o cansaço e o desespero não se vão apoderar de nós.
A nós o "pandã" nas roupas, os longos passeios no parque e os serões em que Pai e Mãe aproveitam para jantar à luz das velas enquanto o bebé dorme tranquilamente no nosso quarto. No entanto a essa expectativa corresponde uma realidade que pode ser bem menos glamorosa.
Os bebés, os nossos e os dos outros, não são "representações de anjo" e choram, fazem cocó, não querem dormir, sujam quilos de roupa (o que eu achei de exagerado os amigos que me falaram da necessidade de uma máquina de secar roupa...) e os passeios não são sempre calmos e tranquilos. A isso juntam-se a lida da casa, a burocracia relacionada com o nascimento do bebé, a falta de tempo para nós, o acumular de cansaço e um certo "luto" a fazer das coisas boas que ficaram com a nossa vida de antes.
Mas nada disto é grave e a aprendizagem é uma constante. Acredito que é o equílibrio que ajudará as coisas a entrarem na ordem e que precisamos de tempo para nos conhecermos. E sinceramente, mesmo com estas dificuldades todas, não o trocaria por nada no Mundo!
E por aí, mães e pais, como foi as vossas experiências de mãe e pai de primeira viagem e quais as expectativas que caíram mais depressa a terra?
Sou a favor das escolhas e acho que cada um deve fazer o que entende da sua vida, por outro lado detesto rótulos e sobretudo que me imponham coisas só porque sim.
E nesta fase onde tanto se fala de "liberdade" estamos cada vez mais cercados por julgamentos de valor que, em nome dessa mesma liberdade querem impor as suas opiniões a toda a gente.
Ora passo a explicar o meu ponto de vista com alguns exemplos: defendemos direitos de um lado mas, se aquilo que fizermos estiver em coerência com aquilo que está "socialmente aceite", tem pouco valor. Mesmo que o façamos de forma esclarecida e por vontade própria.
E quem critica, critica como se a liberdade só se jogasse de um lado do campo. E isso é não só injusto como grave e limite ofensivo. Como se só houvesse branco e preto e nos esquecessemos das milhentas nuances de cinza que existem! E este querer validar as próprias opiniões e escolhas pela crítica as opiniões dos outros, seja de que lado da barricada for, é ridículo e torna quem tem este comportamento igual ou pior a quem critica.
Já defendi várias vezes ao longo do blog que a sociedade só nos impõe o que nós deixamos. Se é difícil ser contracorrente? Muito! Mas não é na responsabilidade de assumir as nossas escolhas pessoais que está o nosso real crescimento?
Mais do que nunca precisamos de ser corajosos e assumir o que queremos para nós, sem ser limitado a conversa de café ou a barafustarmos contra tudo e contra todos sem uma única medida especifica.
Porque não serve de nada recusarmos uma imposição trocando-a por outra e tendo de lidar muitas vezes com comportamentos ainda mais severos e arrogantes.
Por isso, e por muito difícil que seja, façam o que quiserem e sobretudo não permitam que vos julguem seja porque razão for. Porque não há ninguém, seja liberal ou conservador, que calce os nossos sapatos e percorra o nosso caminho.
Dizemos "não ligues" quando queremos que o (aparente) bom ambiente se mantenha e ensinamos as crianças desde pequenas a fazer o mesmo. Talves hoje as coisas tenham mudado mas não necessariamente pelas boas razões.
Eu e uma grande parte da minha geração ouviu esta frase vezes sem conta. Aliás ainda hoje tenho direito a ela, apesar do enorme descontentamento que ela me provoca e que nem me esforço de esconder.
No entanto nem sempre foi assim. Era do género a fingir "não ligar" e foi isso que me fez perceber que, apesar de parecer uma boa ideia, ele só serve para nos deixar mal na nossa pele.
Hoje em dia a minha estratégia é totalmente diferente. Recebo o comentário e, depois de o ter processado, decido se quero responder ou não e como o quero fazer.
Claro que, como não sou nenhuma santa, isto também abriu a possibilidade de nem sempre dar uma resposta tão educada como deveria mas acho que a minha qualidade de vida e amor próprio aumentou muito graças a isso.
O que me fez deixar de ouvir esta mítica frase do "não ligues" foram essencialmente três razões.
Deixo a ressalva de que estas opiniões são pessoais e que se algum de vocês funcionar bem com este tipo de pensamento tiro-vos o chapéu. No meu caso, e em toda a honestidade, esta forma de pensar não funciona e este blogue é também sobre nem sempre fazer o que se espera de nós desde que nos sintamos bem connosco próprios.
- Recuso-me a dar mais tempo de antena ao assunto:
Quando tento "não ligar" a uma provocação apenas a estou a deixar em segundo plano na minha cabeça. Ora de que me serve não dar atenção a um comentário que me faz mal mas passar o resto do dia a ruminar?
Para isso mais vale ou escolher conscientemente ignorar ou, em casos mais prolongados ou graves, colocar um fim imediato e resolver assim o assunto de uma vez por todas.
Há consequências? Como em tudo na vida... mas usando um velho ditado "enquanto o pau vai e vem folgam-se as costas".
- Não quero dar a possibilidade ao outro de ganhar um ascendente sobre mim:
Recentemente a filha de uma colega na escola foi vitima de patifarias por parte de umas coleguinhas. A primeira reação da família foi o famoso: "não ligues".
Mais tarde a mãe, depois de ler sobre o assunto, contou-me que o autor do livro defendia que nunca responder a uma agressão dá a sensação ao agressor de que não tem limites e que pode fazer tudo o que quer. E quanto mais se deixa evoluir a história mais a criança terá dificuldade em se safar dela.
Não sou especialista em comportamento humano mas conheço um número razoável de pessoas firmes e retas para perceber que isto é bem verdade.
E o mais engraçado é que muitas dessas pessoas são bastante agradáveis e bem educadas a impor os seus limites. Lá se vai a teoria dos nossos pais de que quem responde é mal educado, não é?
- Exijo respeito:
Sei que estamos na era das ofensas por pouca coisa e que temos de relativizar um pouco a vida. Mas a verdade é que há coisas que nos fazem realmente mal e são gratuitas e essas nunca devem ser ignoradas.
Por isso, quando recebo um comentário que saí daquilo a que estou disposta a aceitar não finjo que não ouvi. Respondo nem que seja de uma forma jovial para mostrar à outra pessoa que recebi a mensagem mas que esse assunto não é do foro público e não o quero discutir com ela.
Posto isto gostaria de deixar outro pequeno ponto que me parece importante.
Quanto mais dizemos a alguém para não ligar mais corremos o risco de lhe passar a imagem de que os seus sentimentos não interessam. E isso não lhe vai ser útil em nada salvo em prejudicá-la. Sobretudo quando falamos de crianças e adolescentes.
E por aí: adeptos do "nao ligues", do tipo "agressão-reação" ou, tal como eu agora, tentam escolher conscientemente as vossas batalhas e não se deixar envenenar?
Tive direito a esta pergunta, tal como muitas de vós (e provavelmente muitos homens também).
De uma forma geral, e visto que a regra é namoro, casamento e filhos a maioria das pessoas sente-se no direito de perguntar quando começa o namoro, quando a seguir vem o casamento e no final de tudo o adorável "então e já andam nos treinos?" que é, digamos, um bocadinho intrusivo...
Apesar de não me ter sentido particularmente ofendida com esta questão ainda respondi seco uma ou duas vezes e tive direito a uma cara de escandalizado de quem não gostou da resposta. "Afinal é assim que se faz e se me fizeram essa pergunta a mim porque não hei-de eu fazer-te a ti?" foi a resposta que me deram.
Se calhar porque não devias fazer aos outros o que te fizeram a ti, pensei eu com os meus botões, mas isso dará seguramente assunto para outro post.
E bem deixo-vos aqui 4 boas razões para deixarem um casal em paz e não insistirem neste assunto! 'Bora lá?
- Ter filhos é um projeto próprio e intimo do casal e essa intimidade deve ser respeitada. Conheço casais que dariam, a meus olhos, pais maravilhosos e que não querem ter filhos por razões que só a eles dizem respeito e outros que fazem da paternidade o seu grande objetivo de vida.
Qualquer uma destas opções é válida e deve ser respeitada sem necessidade de dar satisfações a ninguém, exceto um ao outro;
- Nenhum de nós sabe quais as razões que levam um casal a não ter filhos e essa é mais uma razão para prevalecer o bom senso.
Existem pessoas que, pelas mais variadas razões médicas, não conseguem engravidar e estarmos sempre a falar no mesmo pode faze-los sentir ainda pior e abrir uma ferida impossível de cicatrizar;
- Pode ser um ponto de discórdia entre os dois.
Quando a nossa relação começou a ficar mesmo séria conversamos sobre a possibilidade de ter filhos e ambos estávamos de acordo sobre o assunto.
Mas pode acontecer o casal ao início não estar de acordo, um deles ceder em favor do desejo do outro ou haver uma mudança de opinião de uma das partes. Nesse caso falar sobre o assunto pode abrir uma ferida e agravar ainda mais algo já complicado de gerir.
- Uma amiga disse-me uma vez que o seu desejo de maternidade tinha sido "roubado" pelas perguntas incessantes sobre o assunto.
Na sua opinião esse desejo que devia ser intimo passou a ser um desejo das pessoas que estavam à sua volta e isso deixou-a tão pouco à vontade que nunca tinha conseguido dar esse passo.
Mais uma vez, a questão dos filhos é tão intima dentro do casal e implica tantas mudanças no corpo de uma mulher que esta pergunta é de extremo mau tom e pode ter um efeito contrário ao desejado. E admito que até eu senti, por vezes, que as pessoas me pressionavam mais a ter filhos por elas que por mim...
E vocês como reagiram a este tipo de "intromissão"? Têm mais alguma boa razão para não colocar esta questão aos casais que conhecem?
A falta de tempo é, provavelmente, a maior praga atual. Simplesmente não temos tempo para mais nada... ele é o tempo de trabalho com dias demasiado longos, o tempo de trajeto casa-trabalho, as reuniões familiares, as atividades extracurriculares, as tarefas domésticas...
Todas essas "obrigações" nos deixam sem ponta de energia e ainda nos tiram algumas das coisas mais importantes da nossa vida: tempo para aqueles que amamos e para nós mesmos.
E com isso vem a impaciência para os filhos, a falta de tema de conversa entre o casal e, o mais grave, a cabeça metida num turbilhão dentro do qual nos sentimos presos sem conseguir mudar uma virgula daquilo que queríamos para que a nossa vida se aproxime um bocadinho mais daquilo com que sonhámos.
E depois chega a solidão com muita gente à volta, as relações familiares e amícais arruinadas, a manutenção de um emprego demasiado cronofágico que detestamos e uma sensação de vazio imensa...
Mas serão os dias de uns maiores do que os dias dos outros? Porque é que há pessoas que tem tempo para alguns extras e outros para nada?
De uma forma completamente arbitrária, diria que a primeira razão é a capacidade de ir direto ao essencial, de definir o que é que é mais urgente e mais importante e de fazer escolhas e saber dizer não quando é necessário.
Talvez esse não seja reduzir as atividades extracurriculares das crianças a uma por semana e passar esse tempo com elas, dizer que não a um convite para ir aquele jantar com pessoas com as quais, sinceramente, nem temos assim tanta vontade de estar ou criar mil estratégias de organização para ganhar uns míseros (mas bem-vindos) 10 minutos para ti.
A segunda estratégia, e essa ainda consegue ser mais difícil, passa por perceber a origem da falta de tempo.
Já perdi as contas a quem nunca tem tempo mas passa a vida a fazer comentários nas redes sociais, sem perder pitada do que se passa no "mundo encantado" da vida dos outros, já deixei de contar quem me diz não ter tempo para arrumar a casa mesmo depois de ter assistir a tudo o que é vídeo que saí no youtube sobre organização e arrumação doméstica (e não, não estou a gozar).
Às vezes pergunto-me se não será esta "falta de tempo crónica" uma daquelas balelas que nos contamos a nós mesmos para vermos nos nossos dias cheios dias de sucesso, já que é isso que nos é apresentado pelos meios comerciais que nos vendem o Mundo "sempre em movimento" e onde consumimos o máximo para colmatar as nossas faltas e quanto mais corremos mais compramos?
A questão passa, no meu ponto de vista, por perceber até que ponto o nosso dia é cansativo, certo, mas com tempo para aquilo que nos faz sentido.
Porque se assim não for andamos aqui de falta de tempo em falta de tempo, a acumular coisas, em espaços cada vez mais pequenos e assépticos e onde agimos como átomozinhos individualistas com corações frios como a pedra e onde a falta de tempo não deixa entrar calor por mais que vendamos o nosso tempo de um ano inteiro por 7 dias de papo para o ar no Algarve.
7 dias onde nos dizemos que podemos aproveitar a família, namorar um bocadinho, colocar a conversa em dia com familiares e amigos e sobretudo postar fotos para mostrar a quem nos segue que a nossa vida afinal também é perfeita... 7 dias nos quais se pretende compensar os outros dias todos do ano em que não tivemos tempo!
Se assim for precisamos de mudar o rumo, por muito difícil que isso seja. Para voltar a ter tempo para reinvestir as nossas relações, de passar mais tempo à volta de uma mesa do que atrás de um ecrã e respirar fundo, recentrar e recomeçar... simplesmente.
Aí sim, podemos começar a pensar seriamente em remodelar a nossa vida e a sonhar novamente com mais objetivos e mais conquistas... porque enquanto andarmos nesta corrida desenfreada contra o tempo, a responder às urgências todas (que se calhar nem o são assim tanto), isso nunca será possível!
É raro falar de "celebridades" aqui no blog mas, como excepção que confirma a regra, vou falar desta senhora pela segunda vez.
A apresentadora Cristina Ferreira fez uma publicação esta semana no seu instagram com as capas de revistas que a acusam de tudo e mais alguma coisa.
Como já escrevi aqui, e apesar de não apreciar particularmente o seu género e de não fazer parte de todo do seu "nicho de mercado", considero a capacidade de trabalho da senhora uma fonte de inspiração.
Mas, vá-se lá saber porquê, fazer alguma coisa pela vida é sempre mal visto e ser ambicioso é um "pecado mortal".
E isto não tem a ver com ser mulher ou ser homem, ser branco ou negro... tem a ver com esta essência humana altamente competitiva e que, visto que não temos de nos esforçar para sobreviver, gastamos as nossas energias como podemos, muitas vezes a lamentar a vida que nos contruimos mas a detestar os outros porque temos inveja das deles.
No caso de Cristina Ferreira, ou se abrirmos os olhos haverá com certeza alguém que nós conhecemos que sofre isto na pele, ninguém se quer esforçar para ter o que ela tem mas muita gente estaria disposta a tudo para a impedir de o ter. E como não podem fazer mais do que debitar frases odiosas fazem-nos sem o mínimo respeito ou peso na consciência.
Contra todas as evidências possíveis um ódio partilhado, mesmo que virtual, é uma forma mais eficaz de juntar pessoas do que partilhar sonhos ou projetos construtivos.
E sofremos todos deste mal, de uma forma mais ou menos consciente, fazendo eco dos comentários que ouvimos (ou criando os nossos) de uma forma tão natural e despreocupada que nem pensamos nas consequências devastadoras que esta atitude pode ter para o outro mas sobretudo para nós mesmos.
Porque somos nós que enchemos o nosso coração de ódio (muitas vezes infundado) e gastamos energia a detestar alguém em vez de a canalizar para positivismo, bondade, construção pessoal e conquista de projetos.
Porque somos nós que abdicamos de aprender, conhecer, descobrir coisas novas enquanto espumamos de raiva por aquilo que o outro, com mais ou menos justiça, conseguiu. Porque somos nós que nos cercamos de pessoas que, tal como nós, estão agarradas ao "a vida dele é melhor que a minha" e, exatamente por isso, não nos vão ajudar a seguir em frente.
E isto é válido para quem critica uma figura pública, para quem ajuda a espalhar uma fofoca ou para quem está sozinho em casa a responder as mensagens da amiga nas quais ela critica a pessoa que está sentada ao lado dela na esplanada enquanto nós continuamos sozinhos à espera que a nossa vez de ter companhia para o café chegue...